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domingo, 8 de dezembro de 2013

Família, sociedade e o desenvolvimento emocional do ser humano



                 A questão do ambiente provedor é um tema fundamental na teoria do amadurecimento pessoal desenvolvida pelo psicanalista inglês Donald Woods Winnicott. Para o autor, a família deve proporcionar um ambiente seguro e confiável, com boas condições para o crescimento emocional, bem como proporcionar ao adolescente um espaço para a manifestação da esperança. Winnicott enfatiza na sua obra a importância do meio ambiente facilitador que permitirá o crescimento emocional saudável do ser humano.

Se a família está indisponível para ser usada, justifica-se a existência de unidades sociais para conter o processo de crescimento do adolescente, uma vez que as pessoas necessitam de um espaço na sociedade que garanta sua saúde e realização pessoal . Nesse processo a sociedade exerce um papel fundamental.

Winnicott ressalta a importância das condições ambientais para a constituição da identidade unitária, incluída aí a capacidade de relacionar-se com o mundo e com os objetos externos e de estabelecer relacionamentos interpessoais. As falhas ambientais podem comprometer a autonomia e desenvolvimento do indivíduo atingindo sua capacidade de inserir-se na cultura e no meio social.

O autor preocupa-se com o ambiente suficientemente bom e estável que permita à criança e ao adolescente o viver criativo e humano. Winnicott foca nos seus escritos, sobretudo, as relações inter-humanas.

A psicanálise winnicottiana e a Doutrina da Proteção Integral convergem no que se refere à análise das dinâmicas, humana, social e institucional. Para o autor, mediante os cuidados e um ambiente estável familiar, o ser humano pode conquistar, com saúde, seu amadurecimento emocional e o viver criativo. A Doutrina da Proteção Integral reconhece como direito absoluto das crianças e adolescentes, o acesso às políticas sociais básicas, a responsabilização da família e do Estado para garantir o desenvolvimento saudável do indivíduo.

O estado de desamparo psíquico vivenciado pelo bebê frente à angústia da perda da mãe pode ser similar àquele vivido pelas crianças e adolescentes que não tem assegurado seus direitos fundamentais e não são reconhecidos pela sociedade. Compreende-se que a falha no ambiente familiar, a perda vivenciada pela criança no estágio da dependência relativa e o não asseguramento da sua identidade como ser reconhecido socialmente, devido a falhas no asseguramento dos direitos fundamentais de acordo com a Doutrina da Proteção Integral, pode levar crianças e adolescentes às práticas delituosas.

Compreender o adolescente como sujeito de direitos vem ao encontro do que escreve Clare Winnicott ao destacar o enunciado de Winnicott acerca da importância do respeito aos direitos humanos na atenção integral ao jovem com tendência antissocial:

 
Hoje, como sempre, a questão prática é como manter um ambiente que seja suficientemente humano, e suficientemente forte, para conter os que prestam assistência aos destituídos e delinquentes que necessitam desesperadamente de cuidados e pertencimento, mas fazem o possível para destruí-los quando o encontram. (1983, p. XVI)

Referências Bibliográficas:

BRASIL. Lei Federal 8.069 de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Brasília-DF, 1990.

BRASIL. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Brasília-DF: Conanda, 2006.

BRASIL. Lei Federal 12.59 de 18/01/2012. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE/Secretaria Especial dos Direitos Humanos – Brasília/ DF. CONANDA. 2012.

ROCCO, C. Contribuições da Teoria do Amadurecimento de D. W. Winnicott para o Atendimento Socioeducativo ao Adolescente Privado de Liberdade. PUC/SP, 2010. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) – PUC-SP, 2010.

WINNICOTT, C. [1967]. Introdução. In: WINNICOTT, D. W. [1989]. Privação e delinqüência. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

WINNICOTT, D. W. Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
_____. Privação e Delinquência. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
_____. Natureza Humana. Trad. Davy Bogomoleletz. Rio de Janeiro: Imago, 1990.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

DIREITOS ASSEGURADOS AOS ADOLESCENTES...




O modelo anterior de atendimento ao adolescente passou a pertencer a um contexto histórico ultrapassado: a de não asseguração dos direitos fundamentais, um modelo de contenção que se esgotou. A sociedade clamava por mudanças e, a partir disso, instaura-se uma crise. A esse respeito Costa (2006, p. 13) esclarece:

[...] na área do direito da criança e do adolescente [...] as coisas acontecem da mesma forma. A crise ou esgotamento de um modelo de compreensão e ação vem dar lugar a outro. A transição, porém, entre o velho e o novo frequentemente não se dá de maneira específica. Os defensores da velha ordem costumam reagir de todas as formas ao seu alcance para impedir o novo paradigma de se afirmar, de ser hegemônico, de vigorar de modo pleno.

Nesta vertente, a partir de uma mobilização social, nacional, origina-se o Fórum Nacional de Entidades Não-Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA). Esse movimento recolheu mais de seis milhões de assinaturas pedindo a criação de um artigo que estabelecesse os direitos humanos de meninos e meninas na Carta Magna de 1988. Nasce o Artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1998, base para o Artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente:

É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar a criança e o adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência e opressão.

O processo de redemocratização do Brasil culmina na promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Lei 8.069 de 1990. O Estatuto é considerado documento de direitos humanos concebido a partir do debate de ideias e participação de vários segmentos sociais envolvidos com a causa da infância no país, ou seja, instituições ligadas pela Igreja Católica e pela sociedade civil, a saber: República dos Emaús – Belém/PA, Pastoral do Menor – São Paulo/SP.
e, o Projeto Nacional de Alternativas e Atendimentos Comunitários a Meninos e Meninas de Rua.

O ECA não é resultado da vontade pessoal das autoridades brasileiras, mas o anseio do conjunto das instituições que sempre fizeram os movimentos sociais em defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes e que controverteram a ordem na luta pela garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes em consequência da falta de políticas que viessem atender de fato os meninos e meninas de rua.
Desta forma, o Estatuto representa um marco histórico para a infância e adolescência brasileiras, ao substituir a lógica da Situação Irregular, presente nos antigos Códigos de Menores, pela Doutrina da Proteção Integral.

A Constituição Federal de 1988 prevê a garantia de uma universalidade de direitos às crianças e adolescentes, reforçado no artigo 4º do ECA:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e execução das políticas públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção da infância e juventude (ECA, 1990, p. 3).
Segundo Guará (2000, p.84, grifos da autora), na década de 1990 nasce um novo pensamento na sociedade:


Uma nova consciência sobre a necessidade de uma política social para a infância e juventude. O termo menor foi enfaticamente substituído por criança e adolescente, com o forte argumento de que era preciso superar o estigma associado ao termo que já se instalara no imaginário social como sinônimo de pobre.

A grande mudança representada pelo ECA é a divisão de responsabilidades: não basta acusar o menor, mas entender o papel da família, do Estado e da sociedade, a fim de garantir direitos integrais às crianças e adolescentes. Hoje, na situação de Garantia de Direitos, o paradigma que permeia a atuação é entender a criança e o adolescente como sujeitos de direitos.

Para a implementação da Doutrina da Proteção Integral o Estatuto prevê um conjunto articulado de ações por parte do Estado e da sociedade. Estas podem ser divididas em quatro grandes linhas:

a) Políticas Sociais Básicas, que, na perspectiva da universalidade, da continuidade e da gratuidade, implicam na garantia dos direitos sociais para todos como dever do Estado; b) Políticas de Assistência Social, prevista para os que se encontram em estado de necessidade temporária ou permanente; c) Políticas de Proteção Especial, para quem se encontra violado ou ameaçado de violação em sua integridade física, psicológica e moral; e d) Políticas de Garantia de Direitos, para as situações nas quais a criança ou o adolescente se encontra envolvido num conflito de natureza jurídica, sendo necessário, para a sua proteção integral, o acionamento das políticas de direito e do órgão do Ministério Público, com observância do devido processo legal.


O ECA estabelece medidas de proteção voltadas para situações em que os direitos de meninos e meninas são ameaçados ou violados, seja por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, seja por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis. Define, também, as medidas socioeducativas não privativas de liberdade: Advertência (Art. 115); Obrigação de Reparar o Dano (Art. 116); Prestação de Serviços à Comunidade (Art. 117) e Liberdade Assistida (Art. 118 e 119). As medidas socioeducativas privativas de liberdade em meio aberto ou fechado são aplicadas de acordo com a gravidade do delito cometido pelo adolescente: semiliberdade (art. 120) ou internação em estabelecimento socioeducativo (art. 123 a 125 do ECA).


O SINASE enquanto Lei Federal 12.594/2012 trata da implementação do atendimento das medidas socioeducativas previstas no ECA. A Lei Federal, recentemente promulgada, reafirma o paradigma da proteção integral expressa no Estatuto e institui procedimentos e parâmetros sobre a natureza eminentemente pedagógica da medida socioeducativa, visando trazer avanços para a efetivação de uma política que priorize os direitos humanos.

A implementação do SINASE objetiva primordialmente o desenvolvimento de uma ação socioeducativa sustentada nos princípios dos direitos humanos. Defende, ainda, a idéia dos alinhamentos conceitual, estratégico e operacional, estruturada, principalmente, em bases éticas e pedagógicas. (SINASE, 2012, p.16).

Ao enumerar direitos, estabelecer princípios e diretrizes da política de atendimento, definir competências e atribuições e dispor sobre os procedimentos judiciais que envolvem crianças e adolescentes, a Constituição Federal e o ECA instalaram um Sistema de Garantia de Direitos – SGD (SINASE, 2006).

Surge uma proposta de atendimento socioeducativo nas instituições responsáveis pela execução de medidas. O grande objetivo é a mudança de paradigma na atenção aos adolescentes, para que saiam do lugar social no qual confluem as práticas de exclusão, para um lugar social inclusivo de exercício pleno da sua cidadania.

Na esteira das mudanças, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), divulgaram juntos um documento denominado Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC) . Esse Plano visa a formulação e implementação de políticas públicas que possam assegurar a garantia das crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária, de forma integrada e articulada com os demais programas de governo.

O Plano visa romper com a cultura da institucionalização de crianças e adolescentes e fortalecer o paradigma da proteção integral e da preservação dos vínculos familiares e comunitários preconizados pelo ECA. As estratégias, objetivos e diretrizes do Plano estão fundamentados, primordialmente, na prevenção ao rompimento dos vínculos familiares, na qualificação do atendimento dos serviços de acolhimento familiar e institucional, quando forem necessários, e, sobretudo, no investimento para o retorno da criança e do adolescente ao convívio com sua família. O consenso a respeito é entender a família como locus privilegiado para o adequado desenvolvimento humano (PNCFC, 2006).