domingo, 22 de maio de 2011

O PAPEL DO ESPELHO NO ROSTO DA MÃE

O elemento diferencial da teoria de Winnicott é o entendimento de que os acontecimentos dos estágios pré-primitivos constituem-se nos alicerces da personalidade saudável. Considera o meio essencial para o desenvolvimento emocional, para o autor, ao se falar da criança “deve-se mencionar dependência e natureza do ambiente”. (1959-64 p. 117)

A tese de Winnicott é a de que na primeira fase a mãe vivencia um estado psicológico (desde a gravidez) ao qual denominou preocupação materna primária, condição que lhe possibilita a adaptação sensível às necessidades do seu bebê. Como descreve no seu artigo de 1956 (2000, p. 403):

A mãe que desenvolve esse estado ao qual chamei de ‘preocupação materna primária’ fornece um contexto para que a constituição da criança comece a se manifestar, para que tendências ao desenvolvimento comecem a desdobrar-se, e para que o bebê comece a experimentar movimentos espontâneos e se torne dono das sensações correspondentes a essa etapa inicial da vida.

Grande parte do amadurecimento inicial se dá a partir da relação bebê/mãe. O bebê precisa que a mãe se adapte às necessidades dele mas, para Winnicott, é preciso permitir que a integração ocorra a partir de um impulso do bebê – garantindo assim sua pessoalidade. Se o ambiente se antecipa ao bebê sistematicamente, ou seja, tornando-se padrão, a mãe submete o bebê a um tempo externo - padrão de submissão.

Winnicott enfatiza a importância do ambiente saudável que acolha o gesto do bebê em direção à vida. Se o bebê não se desenvolver a partir de sua própria criatividade originária ele pode reagir, perde a espontaneidade (espontaneidade X reatividade). De certa forma, no decorrer do seu processo de amadurecimento, apesar da falha ambiental, o indivíduo pode até mobilizar a mente e estabelecer uma integração defensiva - o falso si-mesmo - que irá permitir uma relação adaptada com o meio. A esse respeito Dias (2007) esclarece:

Apesar de o processo de amadurecimento não ser linear, algumas conquistas têm pré-requisitos [...] Ou seja, a resolução satisfatória das tarefas de cada estágio depende de ter havido sucesso na resolução dos estágios anteriores. Se ocorre fracasso na resolução da tarefa de uma certa etapa, novas tarefas vão surgindo, mas o indivíduo, não tendo feito a aquisição anterior, carece da maturidade [...] ele pode até resolvê-las, mobilizando a mente e/ou uma integração defensiva do tipo falso si-mesmo, mas, apoiadas em bases falsas, elas não farão parte intrínseca do seu si-mesmo como aquisições pessoais.

A mãe viva, que presta todos os cuidados, possibilita a constituição da temporalidade e da previsibilidade. O ser humano necessita de asseguramento, espaço, tempo e sentido de permanência para a continuidade de ser. Quando o bebê não alcança este encontro global, por meio desses cuidados regulares e previsíveis, fica em estado de alerta. Ocorrendo sucessivas descontinuidades o bebê não consegue mais ir para o estado tranqüilo, podendo desenvolver a organização de defesas primitivas e a doença psicótica.

Winnicott (1983 [1959-1964] p. 114) compreende que “a psicose se origina num estágio em que o ser humano imaturo é inteiramente dependente do que o meio lhe propicia.” A psicose, portanto, é produzida por deficiência ambiental no estágio de dependência absoluta.” A doença é secundária à falha do ambiente “embora se revele clinicamente como um distorção mais ou menos permanente da personalidade do indivíduo.” (Winnicott [1959-64] p. 126).

O desenvolvimento inicial depende de um suprimento ambiental satisfatório, e, segundo Winnicott (1999, p. 4), “ambiente satisfatório é aquele que facilita as várias tendências individuais herdadas [...] com um alto grau de adaptação às necessidades individuais da criança”. No artigo O papel de espelho da mãe e da família no desenvolvimento infantil (1967) o autor ressalta

É, portanto, essencial, a adaptação materna suficientemente boa às necessidades do bebê; a constituição do si-mesmo só existe enquanto tal frente a esse ambiente que sustenta, saudável, que acolha o gesto do bebê em direção à vida. Para Winnicott (1983 [1963] p. 215) ambiente suficientemente bom significa que existe a mãe que está “[...] de início totalmente devotada aos cuidados do bebê, e aos poucos, se reafirma como uma pessoa independente”.

No desenvolvimento emocional individual, diz Winnicott que “o precursor do espelho é o rosto da mãe” (1975, p.153) descreve a função ambiental como o segurar, o manejar e apresentar objetos para o bebê. O bebê vê a si mesmo quando olha para o rosto da mãe...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DIAS, E. O A Teoria do Amadurecimento de D. W. Winnicott. Rio de Janeiro, Imago, 2003.

GARCIA, R.M. A Tendência Anti-Social em D. W. Winnicott. Dissertação de mestrado em Psicologia Clínica. PUC/SP, 2004.

MORAES, A. A. R. E. A Contribuição Winnicottiana para a Teoria e Clínica da Depressão. Doutorado em Psicologia Clínica. PUC/SP, 2005.

NAFFAH, A. A noção de experiência no pensamento de Winnicott como conceito diferencial na história da psicanálise. Artigo não publicado, ago.2007.

WINNICOTT, C. & SHEPHERD, R. & DAVIS, M. (Orgs) Explorações Psicanalíticas: D. W. Winnicott. Porto Alegre, Artes Médicas, 1994.

WINNICOTT, D. W. O Ambiente e os Processos de Maturação. Porto Alegre, Artmed, 1983.

______ Pensando sobre Crianças. Porto Alegre, Artmed, 2005.

______ Natureza Humana. Rio de Janeiro, Imago, 1990.

______ 1971: O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro, Imago, 1975.

______ Privação e Delinquência. São Paulo, Martins Fontes, 1999.

______ Da Pediatria à Psicanálise: Obras Escolhidas. Rio de Janeiro, Imago, 2000.