ESTUDO SOBRE JOHN BOWLBY
A
Comissão Social das Nações Unidas foi
realizada no mês de abril de 1948 e considerou importante um estudo sobre as
necessidades das crianças sem lar. [1] A
ONU pediu sugestões e a Organização
Mundial de Saúde, na qualidade de organização especializada, propondo a
exploração de problemas relativos à doença mental. Para tanto, convidaram Dr.
Bowlby, que iniciou sua pesquisa em janeiro de 1950 concluindo-a com um
relatório – Maternal Care and Mental
Health[2] publicado
em 1951. Nestes escritos Bowlby considerou a necessidade das crianças em se
garantir assistência e afeto para um desenvolvimento saudável, ou seja,
enfatizou a importância dos cuidados parentais nos primeiros anos de vida da
criança, para sua saúde mental.
Para
ele, é “essencial [...] que o bebê e a criança pequena tenham a vivência de uma
relação calorosa, íntima e contínua com a mãe (ou mãe substituta permanente
[...]) na qual ambos encontrem satisfação e prazer” (BOWLBY 1995 [1952], p.
13). Então, o “estar” numa relação compensadora com a mãe, pai e irmãos é a
“base do desenvolvimento da personalidade e saúde mental” (idem, p. 14).
Bowlby
(1995 [1952]) denominou privação da mãe quando
mãe-criança não estabeleciam um laço amoroso e a primeira não prestava os cuidados
apropriados, mas, considerou a complexidade e algumas variações do termo
dependendo da intensidade da privação - falta parcial ou quase total - de
posterior cuidado amoroso:
- Privação
da mãe - casos em que a mãe (ou sua substituta) não estabelece esta
relação amorosa com a criança;
- Privação
parcial – caso em que, por alguma razão, a criança é afastada dos cuidados
maternos, sofre uma privação relativamente
suave, mas, alguém substitui a
mãe sendo, no entanto, uma pessoa conhecida pela criança e por ela
considerada confiável;
- Privação
acentuada – quando a mãe substituta é estranha à criança, mesmo sendo uma
pessoa amorosa (para o autor,
esta relação traz uma satisfação para a criança representando, assim, uma privação parcial);
- Privação
quase total – comum em instituições, creches residenciais e hospitais, a
criança, neste caso, não tem especificamente uma única pessoa (com a qual
sinta segurança) que preste um cuidado pessoal.
Com
relação às crianças filhas de mães solteiras, após relatar diversas pesquisas e
trabalhos, Bowlby enfatiza a necessidade de um estudo sobre o assunto, mas
adverte que às vezes é inviável propiciar assistência para a mãe possibilitando recursos que a
levem a se responsabilizar pela criança fornecendo efetivos cuidados maternos;
desta forma, a seu ver, a adoção seria a medida mais favorável. Entretanto,
Bowlby enfatiza que quanto mais nova for a criança mais favorável será sua
identificação com as figuras parentais e formação de vínculos.
O
autor (1993), apesar de reconhecer que seu referencial teórico foi a
psicanálise [3], admite
que seus estudos apresentam divergências da teoria freudiana como também dos
seus seguidores. Bowlby recorreu à etologia e à teoria do controle para
desenvolver seus estudos sobre as defesas e trabalhos sobre a psicologia
cognitiva e o processamento da informação humana. Em 1961, tentando compreender
a natureza do luto [4], voltou
sua atenção para as idéias de Darwin.
Bowlby
(1993) considerou seus estudos e pesquisas como “um novo paradigma para a
compreensão do desenvolvimento e da psicologia da personalidade” (idem, XVIII).
Percebe-se
que o objetivo de Bowlby está focado na descrição de certos padrões de reação
da personalidade que ocorrem na primeira infância para mensurar padrões de
reação identificados no funcionamento posterior da personalidade. Priorizou os dados obtidos de estudos
prospectivos relacionando os “grupos de dados” delineando, desta forma, os
tipos de teoria que seus estudos deram origem.
D.W. WINNICOTT E JOHN BOWLBY
Em 1953 Winnicott escreveu uma resenha
de Maternal Care and Mental Health, nesta,
o autor mobiliza sua própria teoria para discutir com Bowlby[5].
Neste
artigo (1994 [1953] p. 323), Winnicott considera uma “contribuição especial de
Bowlby” quando descreve os efeitos da privação materna e a importância dos
primeiros cuidados para a saúde mental do bebê. Porém, critica o uso de
estatística para discutir as questões psicológicas, como ainda discorda da
utilização que Bowlby faz de terminologia oriunda da psicanálise tradicional
tal como a comparação do ego à uma maquinaria
psíquica.
Na
resenha de 1953 e posteriormente, num artigo escrito em 1961, Winnicott
concorda com Bowlby quando este enfatiza que “a privação leva ao
estabelecimento de uma tendência anti-social” (p. 55), mas ressalva que as
descobertas de Goldfard não conduzem a uma resposta teórica para a questão da
tendência anti-social. Adverte que leitores desavisados podem associar que a
etiologia do comportamento anti-social estaria na dificuldade para pensar. Este
ponto de vista é inadmissível para Winnicott: como atribuir o problema do
ambiente ao ambiente ao pensamento
É compreensível que a visão de um
autor como D. W. Winnicott que entendia por sua tarefa o estudo da natureza
humana, divergisse substancialmente das idéias apresentadas por Bowlby, para
ele existem fatores internos muito
complexos que Bowlby não alcança com sua pesquisa embora Winnicott
reconheça a importância da ponderação em que o papel da mãe (ou substituta) é
crucial para o desenvolvimento saudável do ser humano.
Para
Winnicott a natureza humana começa já na concepção do bebê com seus pais tendo
envolvimento e responsabilidade pelo resultado do seu ato. Como diz o autor em Natureza
Humana (1990, p. 47).
A data do nascimento
é obviamente notável, mas até ali muita coisa já aconteceu especialmente com a
criança pós-madura, e ao nascer já existe uma individualidade tão marcante,
[...] Ao fim de duas semanas, todo bebê já passou por inúmeras experiências
inteiramente pessoais. Na idade em que uma adoção se torna relativamente fácil
de ser realizada, o bebê já está tão marcado por experiências reais que os pais
adotivos têm problemas de manejo essencialmente diferentes daqueles que teriam
se o bebê fosse deles mesmos e estivesse com eles desde o início.
Muitas
vezes Winnicott foi considerado um teórico otimista, mas concordamos com a sua
visão que, no nosso entendimento, não é ingenuamente otimista, é fundamentada
nos seus longos anos de estudo e clínica. Além disso, é difícil desconsiderar
que apesar do fracasso da provisão ambiental o bebê pode, em posterior
circunstância favorável vitalmente importante, experenciando relações objetais
positivas, retomar seu processo de amadurecimento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bowlby, John. Cuidados Maternos e Saúde Mental. São Paulo, Martins Fontes, 1995.
_____. Perda: Tristeza e Depressão. Volume três da Trilogia Apego e Perda. São Paulo, Martins
Fontes, 1993.
Winnicott, Donald W. Explorações Psicanalíticas. Porto
Alegre, Artes Médicas, 1994.
____.Natureza Humana. Rio de Janeiro, Imago, 1990.
[1] Entendeu-se por “crianças sem lar” as
órfãs, as separadas de suas famílias e colocadas em lares substitutos e\ou
instituições (BOWLBY 1995 [1952] Prefácio da primeira edição).
[2] Cuidados
Maternos e Saúde Mental,
o livro baseou-se neste relatório e foi publicado em 1952.
[3] Na resenha sobre Cuidados Maternos e
Saúde Mental, escrita por Winnicott em 1953, este ressalta que, apesar de Bowlby citar a
psicanálise, Freud não consta na sua bibliografia.
[4] Estudo que resultou no volume três da
trilogia Apego e Perda, “Perda: Tristeza e Depressão”, obra que explora, entre
outras coisas, as diferentes maneiras
pelas quais as crianças pequenas reagem a uma perda, permanente ou temporária,
da mãe considerando as implicações desta perda para a psicopatologia da
personalidade.
[5] Considerações do Prof. Dr. Zeljko
Loparic em aula ministrada no dia 14.09.2007.