segunda-feira, 28 de outubro de 2013

JOHN BOWLBY E D. W.WINNICOTTT: UMA REFLEXÃO


  
ESTUDO SOBRE JOHN BOWLBY

                        A Comissão Social das Nações Unidas foi realizada no mês de abril de 1948 e considerou importante um estudo sobre as necessidades das crianças sem lar. [1] A ONU pediu sugestões e a Organização Mundial de Saúde, na qualidade de organização especializada, propondo a exploração de problemas relativos à doença mental. Para tanto, convidaram Dr. Bowlby, que iniciou sua pesquisa em janeiro de 1950 concluindo-a com um relatório – Maternal Care and Mental Health[2] publicado em 1951. Nestes escritos Bowlby considerou a necessidade das crianças em se garantir assistência e afeto para um desenvolvimento saudável, ou seja, enfatizou a importância dos cuidados parentais nos primeiros anos de vida da criança, para sua saúde mental.

                        Para ele, é “essencial [...] que o bebê e a criança pequena tenham a vivência de uma relação calorosa, íntima e contínua com a mãe (ou mãe substituta permanente [...]) na qual ambos encontrem satisfação e prazer” (BOWLBY 1995 [1952], p. 13). Então, o “estar” numa relação compensadora com a mãe, pai e irmãos é a “base do desenvolvimento da personalidade e saúde mental” (idem, p. 14).

                        Bowlby (1995 [1952]) denominou privação da mãe quando mãe-criança não estabeleciam um laço amoroso e a primeira não prestava os cuidados apropriados, mas, considerou a complexidade e algumas variações do termo dependendo da intensidade da privação - falta parcial ou quase total - de posterior cuidado amoroso:
 
  • Privação da mãe - casos em que a mãe (ou sua substituta) não estabelece esta relação amorosa com a criança;
  • Privação parcial – caso em que, por alguma razão, a criança é afastada dos cuidados maternos, sofre uma privação relativamente suave, mas, alguém substitui a mãe sendo, no entanto, uma pessoa conhecida pela criança e por ela considerada confiável;   
  • Privação acentuada – quando a mãe substituta é estranha à criança, mesmo sendo uma pessoa amorosa (para o autor, esta relação traz uma satisfação para a criança representando, assim, uma privação parcial);
  • Privação quase total – comum em instituições, creches residenciais e hospitais, a criança, neste caso, não tem especificamente uma única pessoa (com a qual sinta segurança) que preste um cuidado pessoal.

                   Bowlby (1993), realizando uma análise das suas observações com crianças pequenas - entre doze meses e três anos de idade - a reação à separação da mãe, no caso da criança ser colocada com estranhos num lugar desconhecido, seria, inicialmente de protesto (esforço para recuperar a mãe). Posteriormente surge o desespero, o anseio pela volta da mãe, mas a esperança diminui. Finalmente, cessam as exigências a criança torna-se apática e retraída, com um lamento monótono.

                        Com relação às crianças filhas de mães solteiras, após relatar diversas pesquisas e trabalhos, Bowlby enfatiza a necessidade de um estudo sobre o assunto, mas adverte que às vezes é inviável propiciar assistência  para a mãe possibilitando recursos que a levem a se responsabilizar pela criança fornecendo efetivos cuidados maternos; desta forma, a seu ver, a adoção seria a medida mais favorável.      Entretanto, Bowlby enfatiza que quanto mais nova for a criança mais favorável será sua identificação com as figuras parentais e formação de vínculos.

                        O autor (1993), apesar de reconhecer que seu referencial teórico foi a psicanálise [3], admite que seus estudos apresentam divergências da teoria freudiana como também dos seus seguidores. Bowlby recorreu à etologia e à teoria do controle para desenvolver seus estudos sobre as defesas e trabalhos sobre a psicologia cognitiva e o processamento da informação humana. Em 1961, tentando compreender a natureza do luto [4], voltou sua atenção para as idéias de Darwin.

                        Bowlby (1993) considerou seus estudos e pesquisas como “um novo paradigma para a compreensão do desenvolvimento e da psicologia da personalidade” (idem, XVIII).

                        Percebe-se que o objetivo de Bowlby está focado na descrição de certos padrões de reação da personalidade que ocorrem na primeira infância para mensurar padrões de reação identificados no funcionamento posterior da personalidade.  Priorizou os dados obtidos de estudos prospectivos relacionando os “grupos de dados” delineando, desta forma, os tipos de teoria que seus estudos deram origem.
 

D.W. WINNICOTT  E JOHN BOWLBY

 
                        Em 1953 Winnicott escreveu uma resenha de Maternal Care and Mental Health, nesta, o autor mobiliza sua própria teoria para discutir com Bowlby[5].

                        Neste artigo (1994 [1953] p. 323), Winnicott considera uma “contribuição especial de Bowlby” quando descreve os efeitos da privação materna e a importância dos primeiros cuidados para a saúde mental do bebê. Porém, critica o uso de estatística para discutir as questões psicológicas, como ainda discorda da utilização que Bowlby faz de terminologia oriunda da psicanálise tradicional tal como a comparação do ego à uma maquinaria psíquica.

                        Na resenha de 1953 e posteriormente, num artigo escrito em 1961, Winnicott concorda com Bowlby quando este enfatiza que “a privação leva ao estabelecimento de uma tendência anti-social” (p. 55), mas ressalva que as descobertas de Goldfard não conduzem a uma resposta teórica para a questão da tendência anti-social. Adverte que leitores desavisados podem associar que a etiologia do comportamento anti-social estaria na dificuldade para pensar. Este ponto de vista é inadmissível para Winnicott: como atribuir o problema do ambiente ao ambiente ao pensamento

                        É compreensível que a visão de um autor como D. W. Winnicott que entendia por sua tarefa o estudo da natureza humana, divergisse substancialmente das idéias apresentadas por Bowlby, para ele existem fatores internos muito complexos que Bowlby não alcança com sua pesquisa embora Winnicott reconheça a importância da ponderação em que o papel da mãe (ou substituta) é crucial para o desenvolvimento saudável do ser humano.  

                        Para Winnicott a natureza humana começa já na concepção do bebê com seus pais tendo envolvimento e responsabilidade pelo resultado do seu ato. Como diz o autor em Natureza Humana (1990, p. 47).

 
A data do nascimento é obviamente notável, mas até ali muita coisa já aconteceu especialmente com a criança pós-madura, e ao nascer já existe uma individualidade tão marcante, [...] Ao fim de duas semanas, todo bebê já passou por inúmeras experiências inteiramente pessoais. Na idade em que uma adoção se torna relativamente fácil de ser realizada, o bebê já está tão marcado por experiências reais que os pais adotivos têm problemas de manejo essencialmente diferentes daqueles que teriam se o bebê fosse deles mesmos e estivesse com eles desde o início.

 
                        Tal formulação contrapõe-se à de Bowlby uma vez que este desconsidera o período anterior ao nascimento do bebê. Winnicott valoriza as experiências ocorridas na vida intra-uterina, além do apoio que a mãe teve durante a gestação, suas fantasias sobre o bebê e seu envolvimento e aceitação da gestação.

                        Muitas vezes Winnicott foi considerado um teórico otimista, mas concordamos com a sua visão que, no nosso entendimento, não é ingenuamente otimista, é fundamentada nos seus longos anos de estudo e clínica. Além disso, é difícil desconsiderar que apesar do fracasso da provisão ambiental o bebê pode, em posterior circunstância favorável vitalmente importante, experenciando relações objetais positivas, retomar seu processo de amadurecimento.   

    
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS     

Bowlby, John. Cuidados Maternos e Saúde Mental. São Paulo, Martins Fontes, 1995.

_____. Perda: Tristeza e Depressão. Volume três da Trilogia Apego e Perda. São Paulo, Martins Fontes, 1993.

Winnicott, Donald W. Explorações Psicanalíticas. Porto Alegre, Artes Médicas, 1994.

____.Natureza Humana. Rio de Janeiro, Imago, 1990.

 

 

 

 

 

 

 

 

                       

                       

 

 

 

 

     



[1] Entendeu-se por “crianças sem lar” as órfãs, as separadas de suas famílias e colocadas em lares substitutos e\ou instituições (BOWLBY 1995 [1952] Prefácio da primeira edição).
[2] Cuidados Maternos e Saúde Mental, o livro baseou-se neste relatório e foi publicado em 1952.
[3] Na resenha sobre Cuidados Maternos e Saúde Mental, escrita por Winnicott em 1953, este  ressalta que, apesar de Bowlby citar a psicanálise, Freud não consta na sua bibliografia.
[4] Estudo que resultou no volume três da trilogia Apego e Perda, “Perda: Tristeza e Depressão”, obra que explora, entre outras coisas,  as diferentes maneiras pelas quais as crianças pequenas reagem a uma perda, permanente ou temporária, da mãe considerando as implicações desta perda para a psicopatologia da personalidade. 
[5] Considerações do Prof. Dr. Zeljko Loparic em aula ministrada no dia 14.09.2007.

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