domingo, 6 de novembro de 2011

O adolescente autor de ato infracional: contexto sócio-histórico, moral e cultural

Minha especialização em teoria psicanalítica e o mestrado em psicologia clínica tiveram, como objeto de pesquisa, o adolescente infrator, tema que mobiliza e provoca inquietações. Na dissertação pesquisei a teoria winnicottiana do amadurecimento do ser humano e sua aplicabilidade na prática institucional por meio da sistematização de um modelo de atendimento socioeducativo aos adolescentes em cumprimento da medida de privação de liberdade.
O adolescente autor de ato infracional é problema de grande mobilização social. No percurso deste jovem muitas vezes prevalece a invisibilidade e o não-reconhecimento social. A expressão da destrutividade e da violência tornam-se uma forma encontrada pelos adolescentes de “sobreviverem” enquanto sujeitos massificados pelo descaso social.
O psicanalista inglês Donald Woods Winnicott é considerado inovador nas pesquisas sobre adolescência e delinquência . Os estudos da sua obra provocou reflexões e inquietações sobre as especificidades da ações desenvolvidas junto ao jovem. O autor problematiza dois aspectos fundamentais para o estudo do processo adolescente, assim como para a compreensão da delinquência: o primeiro é quando ressalta a importância de uma análise cuidadosa do contexto histórico-social em que o adolescente está inserido e o segundo é o espaço relevante que atribui ao ambiente familiar, que, a seu ver, deve ser suficientemente bom e humano para possibilitar ao bebê um processo contínuo de desenvolvimento emocional.
O autor enfatiza, nos seus escritos, a necessidade da compreensão do adolescente como sujeito de direitos destacando a importância do respeito aos direitos humanos na atenção integral ao jovem com tendência antissocial:

Hoje, como sempre, a questão prática é como manter um ambiente que seja suficientemente humano, e suficientemente forte, para conter os que prestam assistência e os destituídos e delinqüentes que necessitam desesperadamente de cuidados e pertencimento, mas fazem o possível para destruí-los quando o encontram. (1983, p. XVI)

O adolescente que comete um ato infracional pode ter vivenciado a experiência de “não ser visto”, talvez não legitimado na condição de sujeito de direitos sociais básicos. A omissão do Estado, a “invisibilidade” social, o reconhecimento controvertido das instituições, o problema da humilhação social, a violência familiar, pais e filhos numa relação de agressão mútua, uma trama de privações, abandonos ou verdadeiras e privações materiais e afetivas podem levar o jovem a pensar na violência como forma de “marcar” um espaço social.
Nesse contexto de sofrimento, o adolescente sai de casa, fugindo das situações de riscos intrafamiliares. Essa saída, na sua fantasia, é uma possibilidade de romper com o processo de coisificação imposto, tornando-se sujeito de sua própria história por meio de um empoderamento que as ruas conferem. Entretanto, o adolescente encontra nas estruturas urbanas e no grupo marginal outras situações de riscos e isolamento que comprometem seu desenvolvimento, mas, que são vistas como sua única possibilidade de pertença.
O grupo delinquente exige, dos adolescentes e jovens, adesão incondicional o que implica participação coletiva nos ato de furtar, roubar, matar, sequestrar, traficar. O vínculo que se estabelece produz um segredo e cultura comum. A transgressão coletiva pode solidificar o grupo, estabelecer sentimento de pertença e garantir reconhecimento mútuo. Nessa organização o líder exerce o poder, talvez reproduzindo as relações sociais.
É relevante pensar que a diferença na posição social do sujeito pode influenciar, significativamente, na estruturação de sua adolescência. As desigualdades sociais dificultam o processo da adolescência do jovem de classe menos favorecida, pois ele se ocupa de questões básicas de sobrevivência. Os jovens ficam à deriva, não há como desenvolver o sentido da própria identidade, ou seja, não há espaço para sua construção enquanto sujeitos, se é negado o acesso à educação, saúde e respeito.
As pesquisas desenvolvidas sobre o adolescente e delinquência devem ser ampliadas na perspectiva da teoria crítica considerando a psicanálise de Winnicott sobre o processo de amadurecimento emocional do ser humano e o pensamento e Axel Honneth.
No exercício das minhas atribuições profissionais e nos meus estudos transitei por questões essencialistas que perpassam a vida do ser humano como ser inserido num contexto sócio histórico, moral e cultural.